domingo, 18 de fevereiro de 2018

Racismo, Edílson e História

Para quem não viu o fatídico episódio de Edílson - que era bom de bola, mas que falando não apresentou ideias tão boas assim - segue abaixo a transcrição de sua fala em um momento em que, além de expor Zinho de forma bem infeliz, se refere a Jailson, goleiro que está em ótima fase no nosso Verdão:

Zinho, Zinho! Você me falou de goleiro negão uma vez... Tô lembrando... Você lembra disso. Eu não esqueço disso. A gente tava jogando, Guarani e Palmeiras, a gente tava jogando, jogando, jogando, o goleiro fazendo milagre. Aí eu passo por ele, dentro do jogo, e digo: “Zinho, a gente não vai fazer gol hoje não?” Aí ele falou: “Esse goleiro é negão, daqui a pouco ele erra”. (risos). Aí, quarenta e três, chutaram de longe, a bola entrou. Aí ele passou por mim correndo, comemorando: “Tá vendo o que eu falei! É goleiro negão, goleiro negão sempre toma um gol.”

E continua...

Tá vendo o que eu falei? Goleiro negão sempre toma um gol! (gargalhadas)

E Dida não era negão, não, né? (Benjamin Back, líder do programa da Fox, indaga)

Dida, não! Dida é pardozinho... (mais gargalhadas, diante de uma justificativa igualmente racista)

Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Nada a ver: Jeferson é um baita de um goleiro, Jeferson pega pra caramba! (Osvaldo Pascoal, outro participante afirma, tentando mudar o tom da conversa)

Mas, Edílson insiste:

É que tem umas coisas no futebol... É que vocês não entendem... Tá bom! Depois, vocês vão dizer... É do futebol, irmão!

Em meio a risos, gargalhadas e momentos de desconforto por parte dos jornalistas do canal Fox Sports, Edílson fez essas colocações francamente racistas, justificando seus argumentos dizendo que os demais não entendem o que seria inerente ao meio do futebol, ao qual ele participou.

Eu, que não fui jogador e nem vivo do futebol, vou me atrever a mostrar algo que talvez Edílson, do alto de seu "conhecimento" e racismo, não saiba. 

Essa ideia referente ao que seria uma incapacidade com relação a goleiros negros tem data de nascimento, neste país em que o racismo nasceu desde seus primeiros passos, desde 1500.

Copa do Mundo de 1950, o que poderia ser para comemoração, já que a Seleção pela primeira vez se tornava vice-campeã, transformou-se (muito pela imprensa) em tragédia, o Maracanazzo. A partir daí por diante, iniciou-se uma perseguição, uma caça às bruxas, criaram-se assim “culpados” pelo vice. E o primeiro deles foi Barbosa, goleiraço da época, titular absoluto e... negro! 
Barbosa (1945, na época, no Vasco da Gama).
commons.wikimedia.org

Aliás, culparam também outros jogadores negros, como Bigode e Jair (o nosso Jair da Rosa Pinto, campeão do Mundo pelo PALMEIRAS, em 1951).

Em entrevista, logo após à derrota para o Uruguai na final, o técnico Flávio Costa foi o primeiro a acusar Barbosa e os jogadores:

“... até o nosso goleiro, que era a garantia de segurança e técnica, foi dominado, falhando no momento culminante...”. (A Gazeta, 17 de julho de 1950).

Anos depois, 1986, o próprio Barbosa lembrou, em entrevista à Geneton Moraes Neto, como passou a ser perseguido:

“... Uma vez me disseram que quem inventou foi Mário Filho. Aliás, contestei o que Mário Filho escreveu: que trememos porque éramos pretos. (...) Mário Filho também andou dizendo que, no dia de minha estreia na Seleção Brasileira, contra a Argentina, em São Paulo, Flávio Costa teria me tirado de campo no intervalo porque eu estaria com o calção todo sujo. Todo sujo de merda – é essa a expressão. Mas, eu nem quis contestar, porque essa é uma baixeza tão grande que nem vou descer a esse nível.” (Moraes Neto, 2000: 49-50)

Ou seja, na sua velhice, a mágoa de Barbosa era imensa. Era uma tristeza tão grande quanto as maledicências que foram se perpetuando desde aquela final contra o Uruguai, ainda em 1950.


Assim escreveu Mário Rodrigues Filho, no livro "O Negro no Futebol Brasileiro", segunda edição (1964) – obra tida como um clássico da literatura do futebol no Brasil:

“Houve quem, editando erudição em futebol, lembrasse que a posição de goleiro, até prova em contrário, era mais pra branco. (...) Os goleiros mulatos e pretos geralmente eram moleques. (...) Quando jogavam sério, como um Nélson da Conceição, estavam sujeitos ao deboche. (...) E os emotivos, como Luís Borracha que chegava às lágrimas. Ou o Moacir Barbosa, que tinha de mudar o calção." (Rodrigues Filho: 1964, 312).


Coincidentemente ou não, depois de Barbosa e dessa narrativa, somente na Copa do Mundo de 2006, Dida tornou-se o primeiro goleiro negro a vestir a camisa da Seleção Brasileira, em Copas do Mundo, desde 1950.

E até hoje vemos raramente goleiros negros. Quando surgem, convivem com falácias, repetições daqueles que se dizem entendidos, mas que pergunto: do que entendem?!

Referências:

Dossiê 50: Os Onze Jogadores Revelam os Segredos da maior Tragédia do Futebol Brasileiro. Editora Objetiva, 2000.

RODRIGUES FILHO, Mário. O Negro no Futebol Brasileiro. 2ª ed. Civilização Brasileira, 1964.

BANCHETTI, Luciano Deppa. Memórias em jogo: futebol, Seleção Brasileira e as Copas do Mundo de 1950 e 1954. Dissertação defendida pela PUC-SP, 2011. (click aqui para ver o trabalho completo)

quarta-feira, 29 de novembro de 2017

O último da grande e ótima leva do final do século XX

Os anos 1990 foram marcantes para todos aqueles que amam futebol, sobretudo o futebol brasileiro.

Anos de Edílson, Edmundo, Evair e Zinho! Da máquina tricolor de Mestre Telê Santana!

Pixabay.com
De São Marcos! De Taffarel! De Zetti! De Ronaldo! De Dida!

De Marcelinho Pé de Anjo, do fim de Neto...

De Alex, de Djalinha, de Raí, de Mauro Silva e de vários "inhos" que ainda desfilavam técnica e habilidade pelos gramados...

Anos do “Carrocel Caipira” lá de Mogi-Mirim: Valber, Rivaldo e Leto - e como jogava o craque que começa com a letra “R”…

“R” bendito, aliás… os anos 90 foram de Romário, Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho - que precocemente aparecia pro mundo no finalzinho daquele século…

Os 90 também foram do “r” no final, do garoto de ouro da Portuguesa, de vida curta e fim trágico, do craque Dener!

Década de 1990 das arquibancadas de cimento, de torcidas organizadas cada vez maiores, do pular, cantar e vibrar em pé, até ficar rouco, e com bandeiras tremulando livremente ao som dos instrumentos de percussão – mesmo nos estádios de São Paulo!

Tempo bom! Tempo ótimo! Tempo que definitivamente parecem ter ficado pra trás…

A grama sintética, o futebol de vídeo-game, as chuteiras coloridas, as tatuagens que colocam a pele e o manto em segundo plano e as Arenas plastificadas mostram a distância que o novo século impôs entre a arte e o pragmatismo, entre o sujeito que inventa e o sujeitado que repete, entre o tal “futebol raíz” e o tal “futebol Nutella” - outra bobagem do momento…

Zé Roberto, deixa os gramados aos 43 anos.
wikipedia.com
E Zé Roberto foi o último dos que vieram daquela outra época.

O cara que fez peneira no areião da Portuguesa, que estreou em 1994, que comeu grama, que correu com camisas muito maiores que seu corpo franzino, diante de torcedores que iam para o estádio com camisas esfarrapadas… deixou o futebol.

Zé ao parar e jogar suas medalhas no lixo – literalmente – enterrou os anos 1990!

Contudo, recupero uma palavra que insistiu em suas falas finais: “LEGADO”.

Toda sua experiência, toda a vivência de um outro, importantíssimo e inesquecível tempo, não será perdida.

Zé Roberto aceitou o convite da diretoria da Sociedade Esportiva Palmeiras e, a partir de janeiro, assumirá o cargo de Acessor Técnico, com participação direta no futebol!


E a nossa Sociedade Esportiva PALMEIRAS contribui de novo para o futebol brasileiro como um todo!


Ganha também o próprio Palmeiras. 

Ainda mais sai beneficiado a promessa Roger Machado, que iniciou sua trajetória como técnico recentemente e já experimentou o caldeirão de um elenco como o que tem o Galo.

O PALMEIRAS, vem para o 2018 com um elenco visivelmente instável, com peças que não primam pela polidez, como são os casos de Lucas Lima, de Weverton e, porque não dizer, de Diogo Barbosa.

Diante desse quadro, Zé tem muito a contribuir e ensinar. Espera-se que o ouçam.

Tarefa difícil para essa geração, que parece gostar mais de repetir do que refletir.




segunda-feira, 13 de novembro de 2017

E a Copa do Mundo 2018 começou, não para Itália!

A única campeã do mundo que não estará em 2018 será a Azzurra.

A tetracampeã.
A Seleção do gigantesco Gianluigi Bufon.

A Seleção do zagueiro bola de ouro, que contrariou a lógica dos atacantes: Fabio Canavarro.

A Seleção de Salvattore "Totò" Schilaci, jogador que fez história na Copa não vitoriosa de 1990.

A Azzurra de Paolo Rossi, carrasco da Seleção Brasileira, do futebol-arte, de 1982.

A Seleção que fez final com os brasileiros duas vezes: 

  • que foi vice no penal desperdiçado por Roberto Baggio, em 1994, 
  • e que foi vice novamente na final impossível de se mudar o planos dos deuses, em 1970.

A Seleção que não viu o nascimento do Édson - Pelé pro mundo - em 1958.

A Azzurra de Mussolini, que sediou e teve que vencer a Copa de 1934.

A Seleção que desistiu do primeiro mundial, logo em terras de tantos “oriundis”, na América – tão longíqua para o ano de 1930.

Enfim, 2018 não existirá para tantos italianos natos e, em grande parte, também para os descendentes espalhados pelo mundo, que jamais deixavam de torcer pela Squadra Azzurra, cada um à sua maneira.